Como podemos definir esse curioso personagem chamado Belluzzo, morador de SAMPA, descendente de italiano, cientista social, economista, mestre de uma das mais importantes Universidades brasileiras a Unicamp, assessor ministerial em vários momentos da cena política brasileira, palmeirense doente ou … um homem múltiplo e apaixonado ?
Sou tentada, sem muita certeza, à enquadrá-lo na última definição aliás falar em definição é inapropriado pois, toda vez que queremos definir algo, na verdade, só fazemos um mero recorte e tentamos tomar posse na compreensão desse algo colocando limites, estreitando e passando adiante uma imagem que nos toca por algum motivo, quem sabe pelo retorno suscitado das nossas próprias inquietações.
Então, sem maiores delongas faço o meu corte epistemológico e introduzo Belluzzo em cena querendo marcar nossos pontos de aproximação.
Fui encontrá-lo em sua casa na zona Sul de S.Paulo. Como um meteoro passava um tempo curto na cidade, no intervalo de uma escala de um voo internacional de regresso ao Rio de Janeiro. Quis aproveitar essa nesga de tempo oportunidade rara, para ir conversar com um dos ícones da Economia no Brasil e saber sobre um Livro recém lançado “ MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM PREJUÍZO, em parceria com um jovem provavelmente seu ex aluno, Gabriel Galípolo. Claro que nessa movimentação contei com o auxílio incondicional de uma amiga que eu apelidei de Chica da Silva.
Meu interesse maior em conhecê-lo era pelo fato de fazer parte da Unicamp, aliás foi um dos seus fundadores, considerada uma Universidade Top, cuja linha de pensamento é reconhecida pela visão independente como forma seus economistas muito mais antenado aos interesses do Brasil e sua gente. Como sou membro da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, devemos de forma petulante, nos contrapor à muitas teses que os economistas, de modo geral, arvoram em defender.
Em pouco tempo de entrevista pude observar ser Belluzzo um grande contador de “estórias”, no bom sentido é claro; é um intelectual de mão cheia, mas, na abordagem de suas teses nos dá exemplos de vivências reais. Dentro dessa ótica afirma que as Ciências Econômicas não podem de modo algum estar afastadas do quotidiano das pessoas, pelo contrário tem de estar a serviço das necessidades da população e do país. Belluzzo critica veementemente o que chama de visão tecnocrática de um certo “homo” racional produzido para maximizar suas potencialidades e fazendo uso de modelos matemáticos ou uma espécie de “calistenia” matemática no seu linguajar mas, paradoxalmente vivendo numa nuvem de abstração que nada tem a ver com o que se passa no nosso dia a dia
O livro começa, colocando em cena Delano Franklin Roosevelt, o presidente americano que já em 1933 discursava no Congresso denunciando as ameaças para a sociedade, vindas da oligarquia financeira com seus privilégios. A essa nova dinastia de economistas, sedentos de poder e tentando submeter a política às finanças, o Presidente com mão firme revela não ser um Governo fantoche. A partir daí, estabelece outra ordem monetária-financeira, com regras de regulação e controle. O importante ao trazer esse personagem histórico, cujas ideias influenciaram quase 30 anos do pós-guerra, é delimitar um período quando o mundo das finanças viveu uma calmaria que foi selada em Breton Woods. Lá nessa cidade americana, homens sensatos liderados pelo inglês John Maynard Keynes, sentaram-se à mesa de negociação logo após a 2ª Guerra Mundial, estabelecendo um acordo para que o “capitalismo selvagem” fosse domado, criando regras de controle e impedindo que através de uma excessiva liberdade de transações financeiras, o mundo transferisse o poder para as mãos de especuladores e de todos aqueles sedentos de ganho. Criou-se nesse momento o Estado de Bem Estar Social. Pessoalmente interpreto como um momento dos mais sensatos do capitalismo que até nos custa acreditar. Foi quando semearam a harmonia entre os homens através da convivência social e da valorização do trabalho em todas as suas formas, quer seja o trabalho bruto, intelectual, humanitário, artístico, tanto os realizados nas fábricas, nos escritórios, nas profundezas das minas de carvão ou de ferro, como em múltiplos outros ambientes. A experiência, ainda que curta, mostrou a possibilidade da sociedade realizar uma espécie de utopia, quando viveu sua idade do ouro através do compartilhamento e da cooperação. Entretanto, o que interessa à dupla de escritores é mostrar os mecanismos de regulação que evitaram ou não permitiram que os excessos fossem cometidos. Nesse sentido merece destaque a chamada Lei Glass-Steagall que com tesouras afiadas impedia, que os ambiciosos de plantão batessem suas asas indecentes
Com visão macro, os dois, em voo rasante, sobrevoam o período da gênese das mudanças operadas no entardecer do século XX. Depois de afastado o perigo da cantata da ópera bufa com barítonos e sopranos saindo fora do tom, ao entoar a nota da distribuição de renda e do capitalismo solidário, era mais que tempo de acordar do sonho. Se nos 70 aparecem os primeiros sintomas da desorganização desse “arranjo virtuoso” também conhecido como “Consenso Keynesiano”, na sequência dos 80, logo foi substituído por uma nova “Consertácion”- o “ Consenso de Washington”, liderado por duas figuras macabras: a sra Margaret Thatcher do Partido Conservador Inglês e Ronald Reagan do Partido Republicano americano quando por decreto, instituíram ou demarcaram o período conhecido como do “neo liberalismo” que insiste em não acabar.
Enquanto nos idos de 60 a frase símbolo no mundo da utopia socialista era “ Hai que endurecer-se pero sin perder la ternura jamás” proferida pelo Che em algum lugar, quem sabe na Sierra Maestra, 30 anos depois, Bill Clinton, aquele das promessas não cumpridas, campeão tanto de ternos arroubos românticos às ninfetas, quanto no molejo permissivo às imposições do ávido capital financeiro a exigir plena liberdade de ação. Ato contínuo a Glass –Steagal é “despejada” como obsoleta à nova mentalidade reinante- a desregulamentação do Mercado. Quando as luzes do Século se apagam, as dos Cassinos feéricos se acendem eufóricas: numa penada, o Congresso apascentado, feito de lobistas, votam sem remorso ou dor de cotovelo a “ Gramm-Leach-Bliley” e o que vem à tona garante o “laissez faire” do mercado sem nenhum freio, exultante da nova “Liberdade, Liberdade” : Meus Senhores e minhas Senhoras comprem suas fichas, façam suas apostas que o jogo vai começar. E assim começa a jogatina desenfreada no país de Las Vegas navegando em direção ao Caos
No parágrafo na página 70, em capítulo referente às relações espúrias entre finanças e política, a dupla anuncia que nos dias atuais a palavra de ordem é fazer genuflexão diante dos poderes das finanças. E zombeteiros apontam a conversinha da “confiança” a ocultar a usurpação das decisões e das informações que afetam a vida dos cidadãos. Que conversinhas são essas? Eles se referem à MIDIA que sabe tão bem formar opiniões e consensos porque nessa altura corações e mentes inocentemente já foram capturados, se apropriando das ideias recebidas com a ilusão de terem sido autoelaboradas e, virando nesse momento aliados de plantão, a repeti-las em série como garotos propaganda. Também denunciam que as “Tropas “ da finança abusaram da prepotência. A escolha do termo “tropa” não é mera casualidade pois, se refere a uma armação com duplo sentido.
“As relações entre o Político e o Econômico foram ordenadas de modo a remover quaisquer obstáculos à Expansão do poder da finança”. Esse processo levou consigo a apropriação da “racionalidade econômica” pelos senhores da grana. As grandes decisões passaram ao comando dos “mercados eficientes”.
Na página 30 e 31 o leitor atento pode encontrar o que chamo de consequências funestas do modelo em curso : o grau de concentração do sistema financeiro mudou de escala. É o momento das grandes ondas, tipo tsunami, de fusão e aquisições com elevadíssimo grau de centralização. A comparação é feita num período de apenas 12 anos. A esses grandes conglomerados deram a alcunha de “Supermercados Financeiros”. Outra consequência que dá frio na espinha é rastrear o alvorecer dos fundos de investimentos trilionários e perceber a consequente centralização da propriedade.
Na esteira da concentração tanto do sistema financeiro, quanto empresarial o mesmo fenômeno desnuda em definitivo a crueldade e desfaçatez do capitalismo global ou neoliberal que capturou as funções do Estado para atrelá-lo cada vez mais como serviçal dos seus interesses de ganhos estratosféricos. Então podemos passar direto para as páginas 188 a 192 e verificar a dimensão abissal do prejuízo dos idiotas ou obedientes de plantão Isso não quer dizer que os rebelados não estejam na mesma situação, uma vez que qualquer mudança efetiva só pode acontecer quando houver massa suficiente para virar a mesa ou algum milagre de auto esfacelamento de um sistema que já apresenta sintomas de falência múltipla dos órgãos Basta dar uma palhinha sobre os dados que apresentam de um estudo da Oxfam intitulado : “Economia para os 1%” É de pasmar ! Não há nenhum equívoco à vista. É isso mesmo: Em 2015, apenas 62 indivíduos – preste atenção, seu obediente: 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas Há 5 anos atrás eram 388. E que diferença faz passar de 388 para 62. Faz e muito pois, demonstra que uma situação terrivelmente absurda ainda tem o potencial de piorar mais ainda E essa proporção evidencia que a concentração foi de 6 e tantas vezes mais. Leia na página 90 e depois tente um sono reparador: O rendimento médio anual de 10% da população mundial mais afetados pela pobreza do mundo aumentou menos de US$ 3 em quase 1 quarto de século, ou seja, menos de 1 centavo a cada ano. Na outra ponta, aquelas indecentes 62 pessoas, em cinco anos, conseguiram um mísero aumento de 1/2 trilhão de dólares saltando sua riqueza de US$ 542 bilhões para US$ 1,76 trilhão.
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Voltando ao capítulo III, quero enfatizar a página 71 quando falam das Agências de Risco – Vocês podem não entender minha grande alegria mas, desde a época que comecei a estudar a chamada Crise do Subprime americano ou da Bolha Imobiliária, passei a ter uma aversão a essas Agências da falcatrua, e daí viraram meus inimigos públicos no 1 Por isso quando vi Belluzzo tecendo altas críticas ao engodo, minha visita ganhou significado total. Há muito aprendi, que quando vamos atacar cachorro grande temos de nos escorar em gente de peso tipo Stiglitz, Krugmann, Belluzzo e assim por diante. Olha só : “ Um dos aspectos mais notórios da crise financeira de 2007/2008 foi o desempenho das Agências de Rating universalmente condenadas pela inabilidade em medir adequadamente os riscos de crédito de papéis securitizados “. “No pelotão de frente dos fetiches financeiros alinham-se as Agências de classificação de riscos. Com a cumplicidade das negligências da Securities Exchange Comission, elas lograram se instituir em tribunais da qualidade das securities e de seus emissores, além de dar notas à gestão econômica e financeira dos Estados Nacionais” “No frigir da crise afundaram suas reputações nos pântanos da falta de ética e no conflito de interesses. Depois da derrocada do Lehmann Brothers, agraciado com o tríplice AAA uma semana antes de ruir fragorosamente, a Moodys rebaixou para “lixo” 73% das securities avaliadas como AAA em 2006”.
Finalmente, vamos falar um pouquinho do Brasil e sua política monetária e fiscal que tanto contribui para o endividamento público Nada disso podia faltar nesse cardápio Belluzziano. Na página 128 começa com humor a falar da crise que aportou por aqui em 2015 mais ou menos. “Embuçados nas máscaras da boa ciência os sabichões atribuem a crise ao abandono do sagrado tripé e à adoção da nova matriz macroeconômica Seria uma fraude intelectual, se lhes sobrasse inteligência para tanto Os arquitetos da desgraça são adoradores da “velha meretriz” macroeconômica, cujo culto levou o mundo à tragédia financeira de 2008, ainda não debelada”. E mais: “Os sacerdotes da Razão Instrumental exprobam os hereges que apontam as conexões entre a queda do PIB, a derrocada fiscal e a Taxa Selic, e absolvem o choque de tarifas e o câmbio pelos impactos da inflação Valem-se da pertinente e necessária demanda pelo equilíbrio entre receitas e despesas públicas para incriminar aposentados, trabalhadores e mães do Bolsa Família pelo “ataque” ao orçamento público Precisamos nos apressar, alertam os Cavaleiros do Apocalipse, “sem a elevação das taxas de juros, redução do salário real, cortes na rede de proteção social, mortes nos hospitais, sofreremos um revés nos avanços de distribuição de renda dos últimos anos” O governo se prostra diante do cantochão da mídia”.
É claro, que a gozação da dupla não impede que levantem alguns elementos de raciocínio antimídia, digamos assim. Por ex. Mostram a evidência de que a economia brasileira muito pelo contrário não passa por um cenário de excesso de demanda daí tornar-se óbvio que o processo inflacionário teria outras causas. Ainda mais quando se observa que justamente os preços administrados como a energia, gasolina, gás e transporte são aqueles que mais sofrem alta. Pela política do Banco Central o meio circulante deve ser enxugado criteriosamente para deter a paranoia do medo da inflação, daí as tais Operações Compromissadas além de serem fonte de prejuízos anuais estratosféricos, reduzem a produção das empresas e provoca aumento do desemprego.
“A eutanásia do empreendedor é perpetrada pelos esculápios do rentismo. A indústria e a industriosidade vergam ao peso dos juros elevados e do câmbio sobrevalorizado. As finanças públicas se rendem ao trabuco do superávit primário para o seu peito. Enquanto a ninguenzada paga os impostos a turma do dolce far niente se empanturra nas festanças da austeridade.” Só mesmo com humor meio caustico podemos levar à frente tanta desfaçatez de nos jogarem a conta para pagar além de nos julgarem submissos e débeis mentais.
“Ao engordar os retornos dos “investidores” a combinação entre juros elevados e câmbio apreciado se encarrega de inviabilizar a indústria doméstica. Em 2007 o saldo da balança comercial de produtos industriais apresentava um superávit de US$ 18 bilhões Em 2008 se reverte em déficit de US$ 7 bilhões e em 2014 chega a US$ 63,5 bilhões”
“Sob a carapaça tecnocrática do “ajuste fiscal” oculta-se a disputa social a respeito do orçamento –natureza dos gastos e fontes de riqueza : quem recebe e quem paga no esforço comum de construção da riqueza social e de sua distribuição entre agentes e pacientes. Os especialistas da finança despótica atiram às costas da Constituição de 88 a responsabilidade de uma alegada crise estrutural das finanças públicas dizendo que excedem a capacidade de financiamento do Estado Brasileiro. As demandas das camadas subalternas dos acocorados nos seus privilégios, não cabem no Orçamento”. E completaria e nunca lembram-se de dizer da soma de benesses que o Estado Brasileiro neoliberal é cada vez mais pródigo em favorecer a quem não necessita Haja visto os impostos sobre lucro, impostos sobre herança as alíquotas regressivas do Imposto de Renda, isso sem contar as isenções fiscais, etc
Niterói, 18 de abril de 2018
Helena Reis