Por Gislene Moreira.

A Inglaterra é uma referência mundial na regulação da emissão de gases tóxicos. Desde os anos 1950, o país iniciou uma política de redução da queima de combustíveis fósseis apontada como pioneira no planeta. A medida foi provocada depois do Big Smoke, quando um espesso nevoeiro em 1952 provocou a morte de mais de cinco mil londrinos. Em se tratando do país onde se consolidou a revolução industrial e o capitalismo moderno, era de se esperar que esta decisão fosse logo copiada em todo o globo. Só que enquanto os cidadãos britânicos se orgulham da qualidade do ar de Londres, a empresa britânica Brazil Iron reproduz o horror da poluição em comunidades quilombolas do interior da Bahia.

Seu Adão e dona Eva estão de mudança para a sede do município de Piatã por causa da fumaça densa que mineradora inglesa despeja no ar. Moravam na comunidade do Mocó desde que nasceram, e abandonaram suas casas e sua vida de agricultores devido aos impactos das partículas de poeira e metal que diariamente as explosões deixam no ar. Não conseguem respirar. E eles não são os únicos a fugirem da fumaça inglesa. Segundo lideranças locais em audiência com o Ministério Público Ambiental de Lençóis, estima-se que mais de 30% dos moradores já abandonou suas casas, ou pensa em fazê-lo em breve.

Para além da poeira, em junho deste ano, mais de 80% dos moradores locais foram contaminados pela Covid-19. A suspeita é de que o vírus chegou com os trabalhadores da mina, que em toda a pandemia não reduziram a atividade mineradora, considerada serviço essencial pelo governo brasileiro. A intensidade se explica pela explosão da cotação do ferro nas bolsas de valores. Em pleno período pandêmico, a cotação da matéria-prima subiu quase 30%, iniciando um novo superciclo de commodities.

João, de cinco meses, entende bem os efeitos de tudo isso. Ele desenvolveu uma série de síndromes respiratórias graves e crises de pânico toda vez que escuta as sirenes e as explosões que ocorrem nas minas da comunidade da Bocaina. Elas acontecem 24 horas por dia, 07 dias por semana. E embora os preços do ferro de Piatã possam chegar a US$ 230,00 no mercado internacional, a mãe João depende dos programas de renda mínima para sustentar o pequeno, que é filho de algum trabalhador precarizado da mina, que já desapareceu no mundo de novo.

A líder comunitária Dandara teme pelo futuro de João e de sua comunidade. Até o plantio de hortaliças e café agroecológico foi comprometido, e a nascente que abastecia o povoado está imprópria para consumo. “Nós não conseguimos ver o sol. A fumaça não deixa a gente ver a luz do dia. E eu não consigo ter esperanças de que alguém veja nosso lado no meio de tanta fuligem”, apela Dandara. A zona é uma área de recarga hídrica, nascente de vários rios importantes para o semiárido baiano, e nem esse argumento freou o avanço da mineração. Outras cinco mineradoras estão sendo instaladas no município sem diálogo com as comunidades, e sem apresentar um estudo de impactos ambientais.

Dandara conta que associação já procurou as autoridades brasileiras, até deputados já visitaram sua comunidade, mas até agora nenhuma medida foi tomada. Ao contrário, os moradores relatam situações de repressão e até ameaças de morte. Em 2020, uma manifestação pacífica dos moradores foi reprimida com violência pela polícia. Os nomes neste texto foram todos alterados, porque o império britânico no sertão baiano gera medo.

A grande questão é porque uma empresa transnacional, que em seu país de origem cumpre uma das legislações ambientais mais avançadas do planeta, nas periferias do Brasil não assume nenhuma responsabilidade por sua atividade econômica. Neste processo de neo-colonização, apelamos à rainha. Queremos fazer um apelo de socorro aos cidadãos britânicos. Quizás a rainha Elisabeth, que sabe o que é perder um ente querido para um câncer de pulmão, se comova com a situação. Ou talvez se preocupe com o futuro de João e de seus netos, porque a fumaça que as empresas inglesas seguem emitindo nas periferias do capital logo farão um novo big smoke feder no nariz da princesinha Charlotte. Talvez a Bocaina e o Mocó sejam a oportunidade do povo britânico se colocar novamente como liderança planetária no combate aos efeitos das mudanças climáticas e deixar de herança aos muitos joãos, charlotes e lilibetes alguma possibilidade de futuro.

Fonte: Mídia Ninja

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