Nem preciso pensar duas vezes para  escolher  qual das duas  palavras prefiro.  Fico  com a 1ª  sem pestanejar!  Afinal  resistir  é lutar contra forças adversas. Resistir é um ato heroico, mostra coragem, destemor, disposição  para enfrentar perigos  e tudo o mais  que a imaginação  nos permita, ainda mais   estimulada ou moldada  pelos filmes de super heróis, muito em voga ultimamente. Agora procrastinar… faça-me o favor,  que palavra feia, desprezível até. Nunca consegui na verdade pronunciá-la  e quer saber, nem sei com muita clareza seu verdadeiro sentido. Mas já que me forçam a fazer escolhas, parece  que a palavra remete a quem quer adiar indefinidamente  uma ação ou a tomada de  atitude, coisas assim do gênero.  Gosto muito de uma reflexão filosófica  que diz : ” Pensamos que pensamos”  e que  se refere  a uma apropriação de uma reflexão  profunda que passamos a repetir feito papagaio como se tivesse surgido na nossa brilhante cabeça.  Quando  pude perceber o alcance dessa aparente simples afirmação, tive um choque  de  gestão de ego, do meu ego. De repente o insight sobre minha própria superficialidade  me deixou  mal, muito mal. Agora, retomo uma  reação  similar, ouvindo  uma  interpretação do “Mito da Caverna” do filósofo Platão que muita gente conhece ou pelo menos já ouviu falar. Entretanto , a importância dos  elementos da ” historinha”  é  serem   utilizados   para a construção de  analogias  com base na realidade atual  e isso, pouca gente consegue ou tem interesse em formular. Em resumo : ” Numa profunda caverna,  seres humanos acorrentados  desde sempre, ignoravam o mundo exterior cujos sinais só eram  percebidos  através das imagens ou sombras de pessoas   refletidas  pela luz de uma fogueira. Nesta caverna, seja dito de passagem, havia  uma tênue luz do sol vinda do exterior e um outro grupo  de pessoas sem correntes. Um dia, um acorrentado  resolve se libertar e investigar por conta própria o que havia lá fora. Com muita dificuldade sobe o caminho íngreme  e tortuoso, seguindo sem esmorecer  a tênue luz que se infiltra.  Quando chega ao cume, a luz guia lhe ofusca e  durante um bom tempo  age como se estivesse cego, tateando num oceano escuro.  De repente  se depara com o mundo real e é contemplado com a visão  da  natureza em todo o seu esplendor. Seu primeiro pensamento entretanto, não foi de euforia ou  do desejo de usufruir daquela maravilha. Lembrou-se imediatamente  daqueles que ficaram para trás e a sua vontade  foi partir imediatamente para resgatá-los  e juntos  vivenciarem esse novo momento. Entre tantos acomodados, a consciência emergiu  de um único ser . E esse  teve a coragem de abandonar sua zona conhecida   e  romper  as  correntes. Essa mesma consciência lhe mostrava agora que o seu conhecimento   deveria ser compartilhado  com  os outros companheiros. Por isso, retornar não  foi um mero impulso e sim um dever de solidariedade. Entretanto apesar do grande esforço, não é bem sucedido. Era difícil que alguém acreditasse nas suas palavras e a galera não  conseguiu alcançar  o sentido da sua narrativa  pela incapacidade de  dar forma a  um mundo até então  invisível e desconhecido para eles. Também não sabiam o que era  a liberdade  e nem a vida sem  grilhões, por isso preferiram continuar resignados, seguindo sua sina sem ousar qualquer mudança. 

Pelo visto, Platão que existiu há mais de 2000 mil anos atrás, está mais atual do que nunca! Como é difícil modificar  a visão de mundo de pessoas acorrentadas pela ignorância.  Como é difícil encontrar  o foco da sabedoria verdadeira com a luz do sol para nos guiar  em direção   a um destino pleno.  Ainda não mencionei  o que faziam as outras pessoas que  habitavam a caverna  sem correntes. Estas viviam também numa prisão voluntária mas da qual não queriam sair, uma vez que ali gozavam de segurança  e   da  prerrogativa de explorar o trabalho dos acorrentados. Para mantê-los nesse regime de escravidão se especializaram em manipular as imagens. E as imagens  no mito representam  o pão  e  o circo   que foram e são utilizados  em  todos estes séculos até os dias atuais. Enquanto houver plateia para os espetáculos de massa,  hoje traduzido pelos  Fla-Flus, Olimpíadas, Carnavais, etc  ninguém irá romper os  grilhões  da dependência. 

E  a  fogueira qual o seu  significado?  O fogo dos desejos, das paixões, do egoísmo, do apego , da violência  ou tudo que prende o homem à vida material que é ilusória  e absolutamente transitória e  impermanente. Como 1%  dos  homens do Planeta  detém a mesma riqueza dos 99 %  restante, ouviram bem ?  Sem  brincadeira ou  fake News, a pergunta que não quer calar é saber  se esse 1% será capaz de levar o esparre de dinheiro para seus túmulos?  O dinheiro  que é percebido pelo conjunto da população do mundo  como o mais  material dos bens, à medida que com ele possa se comprar tudo que nos pareça real, na verdade, é o bem mais imaterial que existe dada à sua volatilidade e transitoriedade .  Entretanto como os seres continuam acorrentados, essa  situação  crítica e absurda não tem data de validade para ser extinta .     

Finalmente vamos retomar  o sentido inverso  da palavra  resistência. Como assim, você agora quer mudar  de lado? Dizer que não aposta na formulação  heróica da palavra ? Realmente, quero desconstruir  a ideia idílica da resistência  enquanto força de luta externa. A palavra foi banalizada  e só conseguimos vê-la por esse ângulo. Agora quero fazer outro tipo de provocação: Não vai haver resistência coletiva  enquanto nós mesmos estivermos inconscientemente boicotando  o que dizemos  querer   transformar.  A todo instante construímos   argumentos  que nos fazem adiar ad eternum  qualquer mudança consistente.  Estamos resistindo  a nós mesmos  quando negamos  ou adiamos  nossos sonhos, nossas utopias, nossos desejos que para serem realizados irão exigir foco, persistência, crença,  superação, meta e  consciência? Ou  juntamos  tudo isso sem tropeços e  procrastinação  ou  viramos auto  resistentes a nós mesmos.  Agora sim, vamos jogar a palavra procrastinar na lata do  lixo da nossa história . Não podemos criar desculpas para nós mesmos. Por que nos  sabotamos  encadeando  épocas, anos, meses , dias e horas. Por que inventamos falsas desculpas? Porque adiamos o hoje pelo amanhã improvável? Estamos acorrentados  por  ilusões  de um poder fictício  e  só  podemos enxergar   imagens  falsas e acreditar em devaneios  sem realidade. Resistimos a nós mesmos, no fundo não acreditamos na  nossa própria força e coragem e queremos acusar com o dedo em riste  aqueles  que não seguem as nossas ideias e conselhos. Olhamos nossos umbigos de relance  na hora do banho,  mas não reconhecemos nossos medos e vacilos. Aliás, tiramos muitos selfies  mas, não sabemos de verdade quem somos e nem para onde vamos !  E sem consciências individuais não se constrói consciências  coletivas .                 

Niterói , 12 de abril de 2021 

Helena Reis 

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